sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O frio



Era chegada a hora. Lá estava eu, vacilando nos passos descalços em direção ao lago Inari. Meus guias eram os espíritos do antigo povo Sami, indígenas do norte da Lapônia. Meus olhos estavam perplexos com a Aurora Boreal, seguindo-a, digerindo cada fração de cor de seu caleidoscópio. Dentro de mim tocavam velhos hinos italianos, que cantavam sobre a vida e a toscana que jamais possuí. Os motivos de meu ato ainda não estão esclarecidos por contento, como o poeta, culpei o sangue que me sobia a cabeça. Meu próprio espanto, era meu maior álibi. A água era congelante, um dos poucos lagos demasiadamente grandes para se tornar pista de esquiar. Meus joelhos tremeram e até se tocaram enquanto eu avançava, mesmo assim segui em frente. Os dentes rangiam de frio e de desespero. Ironicamente, no quadro mais belo de toda minha existência se desenrolava quem sabe, o mais trágico desfecho. A impressão é que minha pele estava em chamas, meu coração bombeava mais lentamente, porém, de forma mais intensa. Presumi que meu sangue havia mudado de cor, para um tom mais sóbrio, menos extravagante. Mal sentia o peso do corpo que carregava no colo, descobri que a culpa pesa toneladas. A água no peito dá a sensação de que simplesmente pararemos, soa como o último gongo do relógio. A idéia era deixá-la ir, abandoná-la na porção mais bela da terra. Todavia sentindo-a, mesmo que gelada e cheia de ossos, inanimada como uma boneca de porcelana, a amei. E compreendi subitamente, como em uma obra shakespeareana, o trágico desfecho do amor. Fitei a Aurora Boreal pela última vez, e descansei, sentindo o amor finalmente, em meu coração e tomando o último gole amargo que tomaria nesta vida.

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