quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O tempo

O tempo é uma das melhores sacadas de Deus. Ele é curvo, é relativo, é invisível mas ainda sim é perceptível. O vento também é uma grande sacada mas de uma maneira mais simplória, uma tentativa que não deu muito certo. Nascemos carecas, bangelas, pelados, urinamos e defecamos em nossos amados e em nós mesmos, terrível e fascinante; a beleza é por conta do fato de nascermos em miniatura. Deus já sabia que o diminutivo das coisas é agradável aos olhos, os japoneses apenas o copiaram.

Crescemos enfim, e o nosso estilo desajeitado, desproporcional, sincero de ser cativa a todos. Riem de nossas desgraças quando caímos no chão, caímos da bicicleta, perdemos um dente, riscamos o sofá. Contudo, ao longo dos anos, com a fala desenvolvida, a estrutura de um hominídeo já não somos mais interessantes, ouso dizer que somos o meio, o sem graça, um estranho inconveniente que agora pensa, lê, e critica. Criticamos por pura inocência, de julgar que descobrimos a verdade e a luz quando enxergamos os defeitos, em TUDO. Estado que não dura muito tempo, apenas o suficiente até nos acostumarmos que TUDO tem defeito e que TUDO é parcialmente certo e errado; até percebermos que inclusive NÓS estamos também errados e repletos de mazelas.

Começamos por fim a adquirir experiência, sabedoria, a descobrir novos mundos e realidades, "certas" e "erradas", sobretudo as erradas. É o momento onde finalmente nos reconhecem como adultos, um lindo sonho de uma noite de verão, um devaneio, pois com a suposta liberdade se encontra um dos homéricos engodos da humanidade: A responsabilidade. Um inferno de palavra que persegue, pune, sem misericórdia cada gota de alegria guardada com carinho.

Nos sentimos então, velhos, cansados, medíocres, fora de época. É um súbito despertar de uma matrix sem retorno. Agora estamos no encalço da lei, do julgo moral, dos empregos, dos impostos, dos anéis, de prata, de ouro, da pesada mão invisível do mundo. A música finda, e uma voz retumbante nos diz: É isso filho, agora reproduza e morra.

Só assim percebemos que o tempo nos foi tomado tão taciturnamente que nem nos demos conta, deixando de alento apenas o tempo de outrem, da prole. Aonde cometeremos o mesmo crime novamente, o mesmo sadismo, a mesma punição, e tentaremos de forma egoísta viver através deles o que não deu tempo.

O corpo se esvaindo em doenças e putrefação, morte lenta e dolorosa a caminho de um funeral muito triste, porém muito breve para não cansar os convidados, e a memória de uma vida que se foi que permanece na mente de dois ou três e em alguns punhados de fotos escondidos em um backup de um computador antigo. O tempo é uma grande sacanagem e aproveitá-lo é tão bom que os que não o fizeram julgaram ser um CRIME que alguém o faça. Ao fim da vida, teremos tempo de sobra, mas também não acho que essa seja uma boa idéia.

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